Tecnologia, Arquitetura e Prevenção do Crime: relações possíveis?

Por Suéllen Mota Marques Costa, http://lattes.cnpq.br/7917895330956154 , 15 de maio de

2024

 

Embora a prevenção do crime por meio da arquitetura seja estudada nos países de língua
inglesa há cerca de 50 anos, o tema ainda é pouco discutido no Brasil. Os(As)
escassos(as) pesquisadores(as) que se aventuraram (e que se aventuram) a trazer a
discussão para o país, frequentemente encontraram (e ainda encontram) muitos
preconceitos. De um lado, há quem diga que o crime é o resultado da desigualdade
social. Por outro, há quem argumente que se trata de falta de caráter. Porém, ambas as
vertentes sucumbem facilmente à análise crítica mais rasa: Pessoas ricas não cometem
crimes? Quando “as pessoas de bem” vislumbram um caminhão de cerveja tombado na
estrada, todas elas seguem seu caminho, incólumes, sem pegar uma garrafa sequer?
Portanto, o teor das argumentações revela, por si só, a carência de pesquisas científicas
sobre o tema, capazes de lançar luz sobre a complexidade da questão e,
consequentemente, apresentar alternativas mais eficientes para resolver o problema.
No início dos anos 2000, o então coronel da polícia militar, Roberson Luiz Bondaruk,
publicou dois livros no país sobre o tema, “A Prevenção do Crime Através do Desenho
Urbano” e “Design Contra o Crime: Prevenção Situacional do Delito Através do Design de
Produtos”. Na época, tive a felicidade de assistir uma palestra dele na Escola de
Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais e corei de vergonha ao ver a
hostilidade com que alguns dos(as) meus(minhas) colegas receberam o convidado.
Porém, o militar a tudo respondeu com cordialidade, em que pese o inevitável
constrangimento. Hoje agradeço ao Sr. Bondaruk pela coragem e pelo esforço de tentar
construir essa ponte com os(as) arquitetos(as), em tema tão importante para um país
violento como o Brasil. Eu ouvi sua mensagem, assim como tantos(as) outros(as).
Hoje, como professora universitária, dedico boa parte de meu tempo e de minha vida a
tentar responder às inquietações que surgiram naquela palestra: o que a arquitetura pode
fazer para prevenir o crime? Encontrei nas palavras do renomado criminologista Ronald
Clarke um caminho possível. Segundo ele, o “Situational Crime Prevention” (SCP)
(Prevenção Situacional do Crime, em tradução livre) parte de uma análise das
circunstâncias que geram tipos específicos de crimes, a fim de introduzir mudanças
ambientais e de gestão discretas para reduzir as oportunidades para tais infrações
(Clarke, 1997). Analogamente, em seu livro “Crime Prevention Through Environmental
Design” (A Prevenção do Crime por Meio do Projeto de Ambientes, em tradução livre),
Crowe (2013) diria que o “Crime Prevention Through Environmental Design” (CPTED)
estabelece que o ambiente físico pode ser sutilmente manipulado para induzir efeitos
comportamentais capazes de reduzir a ocorrência de crimes e tornar a ação criminal
menos atrativa para os infratores.
A leitura superficial muitas vezes conduz as pessoas à associação do SCP e do CPTED à
arquitetura hostil. Porém, segundo Rosenberger (2020), a arquitetura hostil consiste em
projetar objetos para espaços públicos com o fim de desencorajar usos específicos e,
consequentemente, desencorajar a presença de determinadas pessoas. Logo, um olhar
mais apurado percebe logo que isso é diferente do SPC e o do CPTED, os quais
procuram desencorajar os potenciais agressores, por meio da redução de oportunidades,
a cometerem delitos. Até porque, qualquer pesquisador(a) da prevenção do crime sabe
que qualquer pessoa está sujeita a cometer um crime. Quem poderá afirmar, que, em
uma situação de risco, não seria capaz de cometer um crime, para defender a si próprio
ou os seus entes queridos? O crime, como tantas outras coisas, não respeita os
privilégios socialmente construídos que, enquanto construções, são passíveis de
destruição pelas forças inexoráveis do tempo.
Portanto, juntamente com os professores Dr. Renato César Ferreira de Souza e Dra. Rita

de Castro Engler (que compartilharam comigo a ideia de que a Arquitetura e o Design
podem fazer algo relevante pela prevenção do crime no Brasil) dedico-me às pesquisas
sobre o tema no Centro de Computação Ambiental em Arquitetura e Urbanismo da UFMG
(CA_AU_UFMG) e no Centro de Estudos em Design e Tecnologia da UEMG (CEDTec-
UEMG). Se você, que me lê agora, também acredita que a Arquitetura e o Design podem
fazer mais para enfrentar essa importante questão social brasileira, junte-se a nós nesse
desafio.

Referências:
BONDARUK, R. L. A prevenção do crime através do desenho urbano. Curitiba: Edição do
autor,
2007.
BONDARUK, R. L. Design Contra o Crime: Prevenção Situacional do Delito Através do
Design de Produtos. Curitiba: Edição do autor, 2008.
CLARKE, R. V. Situational Crime Prevention: successful case studies. 2. Ed. New York:
Harrow and Heston Publishers, 1997.
CROWE, T. Crime Prevention Through Environmental Design. Revisado por Lawrence J.
Fennelly. 3 ed. Oxford: Butterworth-Heinemann, 2013.
ROSENBERGER, R. On hostile design: Theoretical and empirical prospects. Urban
Studies, [S.l.], v. 54, n. 4, p. 883–893, 2020. Disponível em:
https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0042098019853778 . Acesso em: 15 mai.
2024.

 

Combinando tecnologia e pesquisa, nosso grupo oferece um suporte essencial para o desenvolvimento urbano sustentável, ajudando cidades a crescerem de forma planejada, eficiente e socialmente justa.Esses modelos não apenas representam o espaço urbano, mas também possibilitam a integração de diferentes camadas de informação, permitindo o cruzamento de dados entre setores públicos e privados.

Prefeituras, órgãos de planejamento urbano, empresas de tecnologia, construtoras e escritórios de arquitetura e urbanismo podem utilizar essas ferramentas para aprimorar seus projetos e estratégias, garantindo maior eficiência e impacto social. A modelagem auxilia na superação das contradições entre formas sociais e formas físicas, oferecendo suporte ao planejamento urbano sem a pretensão de ser um modelo determinista. O objetivo não é criar um “oráculo urbano“, mas sim fornecer subsídios para a tomada de decisão, compreendendo que, na efetivação dos planos e projetos, novas contradições surgirão e deverão ser enfrentadas com proposições dinâmicas e ajustáveis à realidade social.

A estruturação dessas soluções passa pela Tríplice Hélice da Inovação[1], um modelo teórico que propõe a colaboração entre academia, indústria e governo para impulsionar o desenvolvimento e a inovação. Essa interação permite que o conhecimento acadêmico seja aplicado na prática, promovendo políticas públicas mais embasadas e soluções urbanísticas que atendam às demandas reais da sociedade. Permite também o desenvolvimento industrial orientado.

Para que esses modelos digitais sejam efetivamente adotados, é fundamental uma agenda política focada no bem estar social e um ambiente empresarial que compreenda o impacto dessas ferramentas sobre o público.

O planejamento urbano, quando pensado a partir de dados objetivos, deve priorizar a redução das desigualdades sociais e o fortalecimento da coesão social, garantindo que grupos minoritários também sejam beneficiados. Ao integrar tecnologia, pesquisa acadêmica e políticas públicas, os modelos digitais do espaço urbano tornam-se ferramentas estratégicas para a construção de cidades mais equilibradas, dinâmicas e preparadas para os desafios do futuro.

Referências: {1} O modelo de tripla hélice de inovação, conforme teorizado por Etzkowitz e Leydesdorff, é baseado nas interações entre os três seguintes elementos e seu ‘papel inicial’ associado: universidades engajadas na pesquisa básica, indústrias que produzem bens comerciais e governos que regulam os mercados. À medida que as interações aumentam nesse quadro, cada componente evolui para adotar algumas características da outra instituição, o que dá origem ao híbrido instituições. Existem interações bilaterais entre universidade, indústria e governo.